As mudanças na Lei 14.340/2022 nos processos em que existe alienação parental - FMP - Fundação Escola Superior do Ministério Público

O Prof. Dr. Conrado Paulino da Rosa, Coordenador do curso de Pós-graduação em Direito de Família e Sucessões, escreveu artigo sobre as alterações na Lei 14.340/2022, também publicado no site do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Confira abaixo o texto na íntegra:


“Uma mentira dita mil vezes torna-se verdade”. Você pode não saber o autor dessa frase, mas, certamente, já a ouviu algumas vezes na vida. A assertiva de Joseph Goebbels, ministro da propaganda na Alemanha Nazista, denota o poder decorrente da repetição desenfreada de uma informação equivocada, que, no momento presente, é potencializado pelo dinamismo de sua disseminação em ambiente virtual.

Em se tratando dos direitos das crianças e adolescentes, nos últimos anos, vivenciamos uma campanha de desqualificação de uma prática nociva, muito frequente em dissoluções afetivas, que é a alienação parental. Desde alegações de que a Lei 12.318/2010, que trata da matéria, serviria para proteger abusadores, passando, até mesmo, por discursos de que sua revogação seria necessária, vez que era contra o gênero feminino.

A boa notícia que a Lei 14.340/2022, de 18 de maio de 2022, apresenta-nos é a de que, apesar das inúmeras inverdades direcionadas à prática alienadora, as alterações promovidas na Lei 12.318/2010 possibilitarão uma melhora na garantia dos direitos daqueles a quem a Constituição Federal destina proteção especial.

A primeira delas diz respeito à execução das convivências familiares assistidas, tão importantes em situações de risco, principalmente quando existem denúncias de abuso sexual. Apesar da manutenção do termo “visitação” no parágrafo único do artigo 4° da Lei, termo inadequado ao direito contemporâneo, a alteração, em primeiro plano, passa a exigir que o ambiente forense mantenha espaços adequados para que a convivência assistida possa ser exercida. Trata-se, inclusive, de uma possibilidade em que, em um ambiente normalmente impessoal e pouco acolhedor, possamos criar um refúgio para que esse momento seja vivenciado de maneira mais humanizada.

Além disso, a modificação também qualifica a rede de proteção da criança. Infelizmente, não eram raros os deferimentos de convivências assistidas sob supervisão de algum integrante do outro núcleo familiar. Imaginemos, nessa linha, alguém que esteja sendo acusado ou acusada de abusar sexualmente da prole e, no tempo escasso de convívio, é fiscalizado(a) pelo acusador ou por alguém de sua confiança. Essa opção acarretaria, invariavelmente, um elemento de estresse e verdadeira deturpação do direito da criança. A partir de agora, essa convivência ocorrerá em ambiente forense ou em entidades conveniadas com a Justiça, sendo essa última uma ótima oportunidade de, fora do espaço jurídico, termos uma inteiração mais adequada, com melhores potencialidades de proteção à integridade emocional da criança.

Quanto às perícias psicológicas ou biopsicossociais, tão importantes para a identificação da prática alienadora, a alteração legislativa reforça a nomeação de peritos privados, na esteira do que prevê o artigo 465 do diploma processual civil, quando da ausência ou insuficiência de serventuários responsáveis para a realização do estudo, inserção realizada no novo § 4° do artigo 5° da Lei 12.318/2010. Além disso, os processos cujo laudo psicológico ou biopsicossocial esteja pendente há mais de seis meses terão prazo de três meses para a apresentação da avaliação requisitada, a partir da publicação da alteração legislativa.

Outra alteração promovida foi a revogação do inciso VII do artigo 6º. da Lei 12.318/2010, que possibilitava ao juiz, em ação autônoma ou incidental, suspender a autoridade parental.

Tendo como premissa a necessidade, fundamentada nos artigos 24 e 155 e seguintes do ECA, do ajuizamento de ação própria para a suspensão ou a destituição do poder familiar, a alteração apenas declara a impossibilidade de que o pedido de suspensão seja realizado nos autos que versam sobre a prática alienadora. Mesmo assim, em ação autônoma perante o Juizado da Infância e da Juventude, nosso sentimento é o de que, apesar da revogação do inciso em questão, nada impede que sua declaração tenha como premissa a prática alienadora.

Outra questão foi a inserção do § 2° ao artigo 6° da Lei da Alienação Parental, estabelecendo que, nas hipóteses de determinação de acompanhamento psicológico ou biopsicossocial – medida que já estava prevista no inciso IV do artigo em comento –, será necessária a submissão a “avaliações periódicas, com a emissão, pelo menos, de um laudo inicial, que contenha a avaliação do caso e o indicativo da metodologia a ser empregada, e de um laudo final, ao término do acompanhamento”.

Não há dúvidas de que tal mecanismo possibilitará uma melhor análise do quadro vivenciado pela prole e, até mesmo, viabilizará outras intervenções que possam resguardar sua integridade emocional. Imaginemos, como exemplo, uma criança ou um adolescente encaminhado a tratamento psicológico, em cujo atendimento, no decorrer do período, o profissional identifique a necessidade de intervenção psiquiátrica. Ao depois, a entrega dos laudos ao final do acompanhamento, agora exigidos pela legislação, viabilizarão um olhar especializado sobre a criança e o adolescente, possibilitando maior segurança à decisão da temática.

A escuta da criança, de acordo com o novo artigo 8º- A da Lei 12.318/2010, será, necessariamente, realizada por meio do depoimento especial – nos termos da Lei n. 13.431/2017 –, sob pena de nulidade processual. Na mesma linha, foi inserido ao artigo 157 do ECA, que trata da suspensão do poder familiar, o § 3°, estabelecendo que “a concessão da liminar será, preferencialmente, precedida de entrevista da criança ou do adolescente perante equipe multidisciplinar e de oitiva da outra parte, nos termos da Lei n. 13.431, de 4 de abril de 2017.” Tais medidas permitem adequação da temática à previsão existente na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que, de longa data, estabelece o direito desta, de participar ativamente dos processos que lhe digam respeito, sempre atentando às normas procedimentais de seu país.

Note-se que, apesar da falsa campanha realizada, a verdade superou a disseminação de notícias falsas que tentavam revogar a Lei da Alienação Parental, e, com a Lei n. 14.340/2022, as mudanças realizadas qualificaram a atuação, principalmente, do agir interdisciplinar nos processos em andamento. Mesmo assim, o alerta deve permanecer. O tempo é o “senhor” da alienação, e a agilidade dos processos que tratam dessa matéria é imperiosa, sob pena de concretizarmos uma violência à qual o Judiciário e as carreiras jurídicas não podem coadunar-se.


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